Desde que me reconheço enquanto ser social que sinto, tal como toda gente, os efeitos de se fazer parte de um dos lados de uma dicotomia. Rico vs pobre. Bem vestido vs mal vestido (conforme a moda). Gordo vs Magro. Branco vs Negro. Feio vs Bonito. Filho de boas famílias vs Filho de gente desconhecida. Curiosamente, eu estava quase sempre no meio.
Fazendo eu parte da classe da sociedade que está em vias de extinção - a classe média - nunca sofri particularmente com a questão das classes. Como ficava ali no meio, passava despercebida. E no entanto sempre senti - sentir mesmo, porque na verdade nunca percebi - de que havia ali uma espécie de barreira invisível que fazia com que pessoas de um dos lados da dicotomia não tivessem uma relação próxima com as do outro lado. E a percepção que sempre tive foi de que afastamento activo vinha sempre do lado mais poderoso da dicotomia, o mais aceite, o "melhor". O branco, magro, rico, bem vestido e filho de "boa" família.
E lembro-me disto desde os tempos da primária. É impressionante como estes estereótipos começam logo a ser desenvolvidos desde tenra idade. A escola primária onde andei (reparem como não digo "a minha escola") era um colégio religioso, cuja boa parte dos alunos provinham de estratos sociais mais "elevados". E eu com 6 anos sabia lá o que era um "estrato social mais elevado". E contudo...sabia. Não só sabia como curiosamente, as pessoas com quem mais tinha atritos eram justamente essas. E sempre assim foi, até hoje. Com as devidas excepções.
Apesar de este ser um colégio com poucas turmas e normalmente isolado do exterior, funcionava como ATL de outras escolas. Lembro-me de estar no recreio (que tinha um escorrega cuja funcionária só deixava andar quem ela queria, quando queria) e virem duas meninas, gémeas acho eu, mais pobres (e isto percebia-se devido às roupas que utilizavam e a outra série de factores, como o isolamento, as pessoas com quem se davam, talvez até a forma como eram tratadas pelos adultos, quem sabe) que vieram ter comigo e perguntaram-me "Queres ser nossa amiga?". Eu fiquei a olhar para elas por uma fracção de segundo, em que pensei estupidamente "Mas elas são diferentes. Elas fazem parte do outro grupo." E depois penso que disse que sim e lá fui brincar com elas. Ou talvez não, talvez me tenha deixado levar pelo preconceito idiota e evitei-as. Não me lembro. Só me lembro deste pequeno momento. Anos mais tarde percebi o quão doce e inocente foi aquela pergunta, e até mesmo original...E chego a sentir-me culpada se porventura as ignorei.
Enfim, como estes há tantos outros exemplos. Um dos melhores exemplos para perceber, entre miúdos, quem são os populares e quem não é, é observar as aulas de ginástica e pôr 2 putos a escolher equipas. E observar quem são os primeiros a ser escolhidos e quem fica para o fim. E a seguir pensar em que é que isso afecta a auto-estima dos primeiros e dos últimos. Estes últimos, até podem ser potenciais Nelsons Évoras ou Fernandas Ribeiros, mas quando somos deixados para o fim uma vez, sabemos que muito provavelmente seremos deixados para o fim na próxima...and so on and so on. E isto torna-se uma pescadinha de rabo na boca.
Só de pensar que me pus a pensar nisto depois de ter estado num grupo de pessoas que não conhecia e sentir ali algo que eu não consigo explicar, e depois ter visto uma parte de um filme dos Flinstones, em que o personagem principal (o do yabadabadoo) começa a dar-se com a personagem que depois fica mulher dele, que vem de uma família abastada. Nisto, outra personagem desse meio abastado pergunta ao Fred (acho que é Fred) onde ele trabalha. Este responde-lhe que é funcionário numa pedreira. O outro ri-se, conta aos outros, que também se riem e vê-se o Fred a diminuir progressivamente até ficar do tamanho de uma batata. E pronto, aqui está explicadinho o que é aquilo de que já há 5 anos ando a ouvir falar...exclusão social e baixa auto-estima.
Era bonito viver num mundo onde as pessoas olhassem umas para as outras de igual maneira nao? Independentemente de estratos sociais. Mas parece que tal não é possível. Resta-me a mim tentar pelo menos incutir estes valores nas crianças com quem lido, nos meus futuros filhos, tal como a minha família me ensinou e de que muito lhes agradeço...Sobretudo à minha avó, pois sempre que eu fazia um comentário irreflectido a alguém, ela dizia-me algo como "lá porque aquela pessoa é pobre ou tenha a roupa suja, não quer dizer que ela seja má pessoa...merece tanto respeito como qualquer outra".
E é isso. E agora vou ali buscar um lenço para enxugar a cara, que isto deixou-me triste.
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